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2019/02/28
Duas pérolas na relação de consumo: No meio privado, “Para a sua segurança, a nossa ligação está sendo gravada” e no meio público, “Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa”.
Dia do Consumidor – A origem da escolha
Em 15 de março, comemoramos o Dia Mundial do Consumidor. Data comemorativa relevante em face da importância de uma relação, historicamente, recheada de descuidos da parte de organizações privadas e públicas, que muitos males fizeram chegar a um ente reconhecidamente vulnerável, na seara do mercado de consumo. Produtos e serviços fora do especificado causaram e ainda causam insatisfação e até mesmo mortes.
A data foi bem escolhida, é certo; uma vez que se trata de uma nobre referência à data na qual foi enviada ao Congresso americano, em 1962, uma mensagem do então presidente John F. Kennedy na qual defendia os direitos dos consumidores, tais como o direito à segurança, à informação e a escolha e o direito de ser ouvido.
Uma tendência de décadas
De lá para cá, foram muitas as tentativas no sentido de se estabelecer mecanismos de proteção e defesa do consumidor. Desse pobre e desamparado ser destinado, anteriormente, somente a pagar (sem reclamar) pelos produtos e serviços de suas necessidades. Antes disso, convenhamos, foram muitas as teorias de grandes gurus da gestão da qualidade que criaram conceitos nos quais o cliente se punha como fator crítico de sucesso para aquelas empresas que se desejavam viver uma nova era, como vencedoras, colocando as expectativas do cliente como realmente importantes.
Algumas empresas se destacaram nesta caminhada e até alguns países ganharam muito trabalhando uma nova relação de consumo. Normas técnicas padronizadas, decretos e leis começaram a ser publicados.
O Consumidor no Brasil com empresas privadas
No Brasil, de uma maneira geral, no entanto, a frase “O Cliente tem sempre razão” soava irônica quando se precisava rediscutir com o grande universo de fornecedores uma compra ou um serviço identificado como não conforme. Pior quando tratávamos com empresas cujos lindos discursos de seu respeito ao cliente desabavam no mal atendimento explicito. Ficava a clara impressão que não éramos consumidores e o termo certo que melhor nos identificava era “consumidos”.
Outras frases me soam irônicas ainda hoje, quando estabeleço relação com alguns fornecedores. Uma delas é aquela que chega ao meu ouvido dizendo “Para a sua segurança, a nossa ligação está sendo gravada”. Ora! Para a minha segurança!? Já tive oportunidades de responder que para segurança “delas” eu também gravava as ligações. A gravação é útil; é necessária e legal, mas é vazia de verdade e isto entristece qualquer cliente esclarecido.
O Consumidor no Brasil com o Governo
No passado, quando o relacionamento era com autarquias governamentais, a sensação de constrangimento era muito bem definida, quando bem visivelmente era colocada uma plaquinha com a lembrança para o usuário do Artigo 331 do Código Penal que diz: “Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa”. Os usuários não se dirigiam ao serviço público para desacatar seus funcionários; muitos usuários, por educação de casa, sabiam que desacato, antes de ilegal, é imoral por ser uma atitude indevida; muitos usuários, com certeza ficavam se perguntando sobre a verdadeira razão que tenha motivado colocar a bendita plaquinha em várias autarquias do governo. Creio não ter sido pelo excelente serviço prestado. Por que não uma plaquinha dizendo “Como servidores, estamos aqui para servir você, sempre à luz da lei”?
A importância do gestor no trato com o cliente
Da minha parte, por minha determinação, retirei estas plaquinhas, com o texto do decreto, do Conselho Regional de Farmácia do Rio de Janeiro, em 2006, quando fui presidente daquela autarquia federal e o ambiente não se tornou belicoso por esta razão. Vale dizer que, na época, implantamos o sistema de gestão da qualidade, criamos os indicadores de desempenho e a Ouvidoria, mas a alegria com a retirada das plaquinhas, para mim, não teve tamanho; é inesquecível. Dou apenas meu exemplo, mas existiram e existem outros tantos gestores que, acima de qualquer lei, entenderam e entenderão a importância do consumidor e tomam medidas diárias, muitas vezes nem sequer sabidas e noticiadas, em prol de uma excelente relação com os usuários dos serviços públicos.
O dia do Consumidor no Brasil
Como brasileiros, criamos a Lei de defesa do Consumidor em 1990, voltada exclusivamente para o relacionamento com empresas privadas. Bom começo, é certo, mas ainda longe do estado da arte.
Quarenta anos depois da carta enviada por Kennedy, o Brasil instituiu o Dia Nacional do Consumidor, pela Lei Nº 10.504, de 8 de julho de 2002, “que será comemorado, anualmente, no dia 15 de março”. O texto da lei diz: “Os órgãos federais, estaduais e municipais de defesa do consumidor promoverão festividades, debates, palestras e outros eventos, com vistas a difundir os direitos do consumidor”. Aí, no meu modo de ver, uma incongruência, quando constatamos que existe somente um cuidado com os clientes de empresas privadas e um descuidado com usuários do serviço público. O governo criou uma lei, depois criou uma data comemorativa, mas não criou lei semelhante que se aplicasse aos serviços públicos da administração pública. Usuários dos serviços públicos, como hospitais, por exemplo, desprotegidos e sem leis que os protegessem? Sim.
Claro que tudo isto faz parte de uma evolução onde os interesses dos mais variados brotam a cada passo e reagem a cada intenção de proteger os usuários. Certo é que a sociedade esclarecida não mais está disposta a ficar desamparada. Daí ter sido publicada no Diário Oficial da União de 27.6.2017, a Lei Federal 13.460/2017 que dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública, que entrou em vigor em 2018. Cabe a pergunta: Quantos usuários sabem da existência desta lei e de seus direitos associados? Pergunte! Cabe outra pergunta: Qual o funcionário público que conhece a Lei Federal 13.460/2017? Pergunte! É muito provável que você encontre mais de um que a desconheça. Não cabe aí nenhuma crítica sobre a ignorância a respeito, mas um alerta para todos os atores da sociedade sobre o quão são importantes a informação e o esclarecimento. Por esta razão, o quão é importante uma data comemorativa deste tipo.
A importância da data
Falta muito, sabemos. Ainda vemos muita distância entre a teoria e a prática; entre o discurso e a atitude. Temos de divulgar, temos de promover e criar ambientes para uma ampla discussão sobre o tema. A data comemorativa serve de excelente pretexto para muitas ações em uma agenda comum tanto privada como governamental.
Discutindo a relação
Separei a seguir as 10 exigências de uma nova (?) relação de consumo que ainda estão muito distantes do seu entendimento e cumprimento pleno. Veja o que o consumidor espera da relação:
- Contato direto
- Comunicação fácil com o fornecedor
- Respeito
- Informações de qualidade
- Soluções rápidas
- Parceria
- Resultados
- Economia de recursos
- Satisfação
- Encantamento
Merecem uma discussão. Depois da discussão, a reflexão, o entendimento sobre as possíveis mudanças e as ações.
Assim seja! Feliz Dia do Consumidor!
O trabalho “Consumidor ou consumido” de Carlos Santarem está licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.
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