Categoria: Atitude

O antídoto do despreparo

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Publicado em 15 de março de 2012

Há muitos anos, falta qualidade no ensino de crianças e jovens brasileiros.

Agora, diante de um aumento da oferta de empregos em algumas regiões do país, faltam candidatos em postos dos mais simples que possam ocupar as posições que a indústria oferece, entre outras, a de medicamentos.

O resultado, muitas das vezes, é a contratação de pessoas despreparadas, que têm dificuldades de escrita, em um ambiente onde “tudo é escrito e documentado”, como assim é na indústria farmacêutica. 

Esses novos colaboradores têm problemas com a matemática e mostram-se também com dificuldade em entender os percentuais de rendimento, em um ambiente onde tudo é monitorado por indicadores. 

Cálculos de volume são verdadeiros desafios. Para muitos recém-contratados, que não tiveram uma boa educação em biologia, fazê-los crer que existem seres minúsculos, invisíveis a olho nu, que carregamos conosco, e podem contaminar nosso ar, máquinas e produtos, é quase um exercício de ficção científica. Exagero? Sabemos que não.

A demanda por trabalhadores ainda existe e vemos o deslocamento de muitos, de outros estados, na direção dos polos farmacêuticos, em busca de novas oportunidades. Estão sendo contratados por sua escolaridade declarada e por outros medidores que asseguram atitudes corretas, proativas e condizentes com a cultura e com a política de cada empresa. Mas está faltando o conhecimento mínimo real.

O grande desafio é harmonizar rapidamente esta massa humana quanto ao conhecimento sobre a maneira correta de “trabalhar fazendo remédios” e a responsabilidade associada que cada um deve assumir quanto à qualidade, segurança e eficácia de cada produto. Da mesma maneira, promover um ambiente de estímulo a “fazer certo da primeira vez“, onde os desvios de qualidade, os retrabalhos, as perdas e os prejuízos possam ser evitados. O mesmo para as reclamações de clientes e consumidores.

Ainda há muito que fazer, e ainda há muito que mudar para fazer bem feito, melhor, mais rápido e mais barato, em nome dos usuários de medicamentos e de todos os produtos, de maneira geral… E, claro, em nome dos acionistas. 

O antídoto para todo este problema está, em grande dose, em metodologias efetivas de treinamento. 

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O trabalho “O antídoto do despreparo” de Carlos Santarem está licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Enquete: Como você avalia a qualidade dos trabalhadores brasileiros diante da 4ª Revolução considerando a frase “Não sabe ler, não sabe escrever e não sabe fazer conta”.


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Cerveja não mata; o que mata é o desvio!

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Uma visão sobre o caso de possível contaminação da cerveja por dietilenoglicol.

11/01/2020

A constatação inicial

Não, cerveja não mata! Nem mal faz, se consumida moderadamente! No entanto, dietilenoglicol mata!

O testemunho

Eu tenho uma larga experiência no segmento de produção de medicamentos, trabalhei em empresas de diferentes portes no mercado farmacêutico, mas tenho uma especialização em alimentos (bromatologia) que me permitiu viver a indústria de bebidas. No passado, atuei em uma grande e conceituada empresa produtora de cervejas. Naquela cervejaria de origem alemã, eu vi e vivi em um forte sistema da qualidade no qual todas as etapas de produção e as unidades de venda passavam por muitos controles em processo e somente iam para o mercado depois de rigorosos testes finais. Em outras palavras, sei bem que, seguindo-se os procedimentos e respeitando-se os parâmetros, a cerveja não mata! Nem o dietilenoglicol é matéria-prima de cerveja que se preze!

Não somente as cervejas, mas há décadas que a produção de bebidas no país, de maneira geral, é levada muito à sério. Falo com certa experiência, uma vez que construí uma empresa de consultoria em qualidade, produtividade e em boas práticas que pode constatar o quanto as questões da qualidade são importantes na área de bebidas, não somente para assegurar bons produtos para os consumidores, mas para aumentar a produtividade e gerar mais riqueza para os acionistas. Minha empresa foi criada em 1999; hoje reúno no meu portifólio várias indústrias, a maioria farmacêuticas, mas meu primeiro cliente foi uma grande multinacional de bebidas de origem francesa, com marcas conceituadas de vinhos, vodca e whisky, entre outros produtos. Estava eu lá, a cerca de duas décadas atrás, ministrando um treinamento sobre análise e tratamento de desvios com o emprego das ferramentas da qualidade! Empresas e empresários sérios no ramo de bebidas não matam. O dietilenoglicol pode matar e já matou muito, na forma de líquidos, em diferentes países, através inclusive da ingestão de xaropes.

Na história do dietilenoglicol muitos são os casos que levaram e ainda podem levar pessoas à morte. A seguir, elegi algumas situações para análise, no campo de desvios da qualidade.

O primeiro caso reportado de mortes

Na década de 30, o dietilenoglicol que é um éter de glicol, usado como anticongelante, foi empregado erradamente em um elixir pediátrico de sulfanilamida. Muitas crianças morreram e o químico Harold Watkins responsável pela formulação cometeu o suicídio. Aí temos um desvio provocado pelo descuido na fase de desenvolvimento, com graves consequências.

Um caso emblemático – um crime

Em outras partes do mundo, entretanto, o dietilenoglicol foi propositadamente adicionado aos xaropes com o objetivo de baratear a produção, mesmo sabendo os efeitos danosos de tal atitude. Um dos casos ocorreu na Nigéria, com o medicamento MyPikin quando morreram mais de 80 crianças após a ingestão do xarope. A título de conhecimento, Mypikin quer dizer “Meu pequenino”. Aí temos um desvio provocado por uma ação criminosa que levou à prisão o dono da empesa e a gerência da qualidade.

A possibilidade de falha no processo

Embora seu custo, atualmente, não seja vantajoso, o dietilenoglicol tem aplicação no processo de acelerar o resfriamento de produção de cerveja. Isso acontece em tubulações independentes, em serpentinas, que não entram em contato com o líquido. Pelo custo, o dietilenoglicol não é mais usado em muitas produções; no entanto, se usado, está lá, esperando por um desvio da qualidade! Um acidente que possa furar a tubulação e permita que a substância chegue à cerveja é algo que tem de ser vislumbrado em análises de risco. Aí, temos um desvio da qualidade provocado por uma falha no processo.

Um descuido com terceiros

De repente, a produção aumenta muito acima da previsão de vendas e acima também da capacidade instalada. Não há como produzir tantas unidades na mesma fábrica e uma das possibilidades é entregar nas mãos de terceiros parte da produção.

A terceirização da produção em locais de fabrico diferentes, e em condições de produção diferentes, pode fazer com que não haja a harmonização do processo. Aí, em uma fábrica, a refrigeração é feita com a mistura água e álcool e, em outra terceirizada, a refrigeração é feita utilizando-se o dietilenoglicol. Nessa última, se um acidente acontece, o dietilenoglicol mergulha na cerveja e provoca a contaminação.

Nesse caso, é certo que o desvio da qualidade é provocado por um sistema da qualidade bastante debilitado, principalmente, quanto a avaliação de fornecedores, entre eles, os terceiros que atuam com as operações de fases de fabricação.

A má-fé

Por último, a má-fé não pode deixar de ser descartada. Maldades com dietilenoglicol já foram feitas em muitos lugares.  Tenha sido uma atitude de má-fé, aquela que levou o veneno para a cerveja, convenhamos que ela não pode ser considerada como causa raiz da questão, em minha opinião. Isto porque, medidas de segurança deveriam ter sido tomadas para impedir ataques assim.

Aqueles que pensam que a sabotagem é a causa raiz, investigam, identificam o bandido, levam-no para a cadeia e imaginam que a situação não mais se repetirá, até que outro assassino repita o mesmo e fácil caminho. Aí temos um desvio cujas medidas estão nas ações preventivas de segurança.

Na verdade, é o maldito desvio que mata!


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O trabalho “Cerveja não mata; o que mata é o desvio!” de Carlos Santarem está licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.


Acompanhamento do caso

05/01/2021
Caso Backer: vítimas lutam por recuperação um ano após início das investigações de contaminação em cerveja
A intoxicação atingiu 29 pessoas em Belo Horizonte. Dez morreram.
09/06/2020
Caso Backer: Polícia Civil indicia 11 pessoas após intoxicação por dietilenoglicol
Inquérito foi finalizado com 29 vítimas. Sete delas morreram.
Onze pessoas foram indiciadas pela Polícia Civil de Minas Gerais após a intoxicação por dietilenoglicol em cervejas da Backer
04/08/2020
Cervejaria Backer já sabia de contaminação nas bebidas antes de investigações
Fichas de produção de cervejas da Backer apreendidas na sede da cervejaria, nessa manhã, apontam que a empresa já sabia sobre o vazamento de glicol nas bebidas.
Cervejaria Backer é multada em R$ 5 milhões após processo
Estabelecimento foi interditado em janeiro de 2020
05/05/2022

Veja também

O desvio da cerveja e o indício bem fundamentado


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Coquetel de Más Práticas

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Pela mídia, chega-me a notícia através da Pharmacy News (18 de junho de 2018) que um farmacêutico, mesmo identificando que uma formulação poderia causar danos e até mesmo risco de morte a um paciente, fez e vendeu o preparado. Seu argumento foi de que o médico insistiu que a formulação estava correta. O paciente de 77 anos morreu.

Esta ocorrência nos diz muito. Fato é que, diante de uma situação de risco, podem ser várias as reações que, por sua vez, poderão desenhar cenários dos mais diversos criando ambientes de sucesso ou de fracasso contundentes que arrasam reputações e causam prejuízos em todas as direções. Muitas vezes causam mortes de terceiros inocentes. Mais: muitos talvez já tenham morrido por decisões erradas e nem sequer tenhamos sabido.

Um dos aspectos interessantes, do ponto de vista, exclusivamente, da gestão da qualidade é a postura de passar para outro elo da cadeia decisória uma decisão a qual o indivíduo está plenamente habilitado para julgar e tem experiência de sobra para fazê-lo. Só não o faz por medo de possíveis represálias corporativas, por negligência ou irresponsabilidade. Nunca por desconhecimento.  Reforço que é exclusivamente apenas sob a ótica da gestão. Fizesse eu esta análise do ponto de vista ético, o assunto receberia outras cores mais densas.

Aí cabe uma pergunta: permitimos que os membros de nossa organização fiquem à vontade para decidir aquilo que é de seu conhecimento e de sua competência ou as questões das “ilhas de poder” se sobrepõem acima de tudo, arriscando a empresa e seus acionistas, em nome de grupos politicamente mais influentes? Onde existem “ilhas de poder”, “existem bunkers” e, o que é pior, existe um conjunto de tiranas leis, diferentes daquelas declaradas na missão da companhia.

Quando vemos a falta de atitudes corretas fazendo com que decisões sejam empurradas com a barriga para outro elo da cadeia, o diagnóstico mais apurado nos mostra que não é somente o indivíduo que está contaminado, mas todo o meio no qual ele transita, provavelmente. As ações corretivas e preventivas têm de considerar este aspecto.

Medo, negligência e irresponsabilidade podem estar juntos, ao mesmo tempo, em um verdadeiro e perigoso coquetel de más práticas.

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Eu preciso falar!

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15/09/2009

O relato imediato de possíveis interferências na qualidade.

Relatando as interferências de forma voluntária

Um sistema da qualidade realmente efetivo deve estimular seus colaboradores a comunicar às suas chefias imediatas, quaisquer situações de risco que possam interferir adversamente nos produtos ou na imagem da empresa. Isto de maneira voluntária.

Poderosos alarmes

Os relatos voluntários de tais eventos funcionam como poderosos alarmes. Operações interrompidas, em momentos exatos, por colaboradores dedicados e cautelosos podem evitar eventos de real perigo ou de evidente risco futuro para os consumidores, por exemplo.

Testemunho

Eu mesmo, como responsável de uma área de produção de comprimidos em uma indústria farmacêutica fui pessoalmente beneficiado com uma postura proativa de um colaborador que interrompeu o processo e buscou alertar-me, de imediato, a respeito de um caso de desvio da qualidade. Na ocasião, ele apontava para uma barrica aberta contendo uma matéria-prima a ser usada em um de nossos lotes. Na barrica, o conjunto de etiquetas indicava um conteúdo com todas as informações imprescindíveis para o seu uso. “Olhe, não é ela!” me disse, enfaticamente, o manipulador.

Eu que já havia reparado que a barrica estava íntegra e devidamente identificada, olhei para aquele pó. A cor, a granulometria e outras características que pude verificar com o meu olhar não garantiam que o meu funcionário estava com razão. Por outro lado, os registros das etiquetas diziam que o conteúdo da barrica era exatamente a matéria-prima que solicitamos para a produção do medicamento.

“Olhe, não é ela!” repetiu meu colaborador com sua experiência de décadas em fabricação de medicamentos. Sem alongar este texto com toda a conversa que mantive com o funcionário, decidi desprezar as etiquetas, suspender a fabricação e solicitar a intervenção do laboratório de controle da qualidade.

O laboratório constatou que o conteúdo da barrica não era aquele indicado na etiqueta! As investigações concluíram com evidências objetivas que as etiquetas foram trocadas na Central de Pesagem!

Um alarme no momento exato, evitou perdas para a empresa e evitou possíveis dores de cabeça futuras para mim!

As pressões internas

Fato é que, infelizmente, em algumas empresas existe um abismo entre o mundo das aspirações (e até mesmo da regulação) e o mundo real, onde o ato de alarme e relato dos colaboradores não é bem visto, quando as interferências que podem afetar na qualidade dos produtos são provocadas por descaso, omissão e até mesmo ação indevida dos próprios supervisores. Isto, em nome de argumentos como, por exemplo, o atendimento a vendas, o aumento da produtividade e o bater das metas; isto em detrimento das questões da qualidade. Assim é em Marte, Saturno e Vênus…

Em situações assim, existe o medo de represálias provocadas pelas chefias as quais podem literalmente infernizar a vida do funcionário. Existe o medo até de demissão… E nós sabemos que pressões desse tipo podem calar as pessoas.

Cabe a pergunta: Como os colaboradores inconformados com decisões que podem colocar em risco a qualidade de um produto, a reputação da empresa ou até mesmo a saúde do consumidor podem alertar para o risco ou até mesmo para um evento não conforme, sem sofrerem com suas atitudes proativas?

Não são poucas as vezes que muitos colaboradores chegam até certos profissionais da empresa (como aqueles da área da qualidade), de uma forma discreta e com um comportamento de temor, para relatar situações desse tipo. Acontece em auditorias, em treinamentos e até mesmo em situações informais como almoços e intervalos para o café na empresa. Têm esse comportamento com o intuito de poder contar com parceiros de confiança para se tentar evitar o mal maior.

As práticas condenadas

Pudéssemos nós mergulhar em um “mundo de fantasias” e elucubrar casos, apenas para dar cores fortes a quadros desse tipo, poderíamos dizer que mensagens dos colaboradores podem chegar alertando para o fato de que a liderança não usa luvas ou máscaras descartáveis em lugares nos quais tais acessórios de higiene são exigidos; as lideranças falseiam relatórios analíticos ou que matérias-primas vencidas podem vir a ser usadas (e assim já estão destinadas para esse fim) em lotes futuros.

Cenário irreal? É pelo menos um parágrafo de literatura de ficção que nos estimula a refletir sobre a gama de possibilidades as quais podem criar cenários de alto risco para a imagem da empresa e para o bem-estar e à saúde do consumidor.

A história de possibilidades de riscos mostra uma série de posturas perigosas já constatadas em muitas empresas, dos mais variados segmentos. Aí, se agrupam as atitudes impróprias de suborno e corrupção, se agrupam aquelas posturas que violam as normativas técnicas, bem como aquelas que violam o Código de conduta, entre outras.

O modelo do “Speak Up”

A instituição do mecanismo de “speak up” pode ajudar as empresas a receber os relatos dos colaboradores, ao mesmo tempo em que pode assegurar a eles um ambiente seguro para tais comunicações, sem qualquer risco de represália. Muitas empresas no mundo já adotam o “speak up”, entre elas as indústrias farmacêuticas. No Brasil já existem algumas, inclusive farmacêuticas também.

Convenhamos que tal preocupação poderia ser considerada como desnecessária, caso os ambientes corporativos fossem literalmente impregnados por atitudes pautadas na ética e, ao mesmo tempo, em uma moral expressa à luz dos cuidados com os consumidores e com a reputação da companhia.

Assim seja!

Fato é que, enquanto os ambientes não forem plenamente favoráveis para as Boas Práticas, o “Speak Up” será imprescindível para as empresas que prezam suas imagens e seus clientes. Assim seja!

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